Pôster do filme “Criação” (Creation) - baseado no livro “Annie’s Box”, escrito por Randal Reynes, tataraneto de Charles Darwin, o criador da teoria da evolução.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Padre é acusado de curandeirismo e exercício ilegal da medicina em MT

A acusação: famílias de doentes se dizendo iludidas, enganadas por uma falsa promessa de cura. “Ele falou assim: ‘Ou você para ou então eu não pego seu filho para curar. Eu garanto que eu curo, mas você tem que parar com a quimioterapia, porque a quimioterapia é que vai matar seu filho’”, diz uma senhora que não quer se identificar.
“Minha mãe foi a realidade do bem e a cura que ele fez. Já faz cinco anos que ela faleceu”, conta um homem.

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O acusado: um padre que diz aplicar um método alternativo e revolucionário de saúde. “É maravilhoso demais para as pessoas que não gostam da entidade popular, da saúde, que o povo tenha saúde de verdade”, alega o padre Renato Barth.


Desde 2005, o Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT) recebe reclamações contra o padre jesuíta Renato Barth.




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“O que estava sendo informado é que havia um padre que estava oferecendo um tratamento substitutivo e curativo para a doença. Então, aqueles pacientes, com essa ideia de que poderiam se curar, abandonavam o tratamento tradicional e começavam a ter os efeitos desse abandono”, afirma Arlan de Azevedo Ferreira, vice-presidente do CRM-MT.


Sob a acusação de curandeirismo e exercício ilegal da medicina, o conselho apresentou uma queixa-crime e o caso foi parar na Justiça. O processo está em andamento. Algumas entidades vieram em defesa do padre.


“Nosso apoio aqui empenhado é justamente por considerar essa denúncia do CRM um absurdo”, defende Marli Keller, diretora do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público - MT.


Pacientes se disseram curados por ele com o uso de chás e da própria urina. “Qualquer tipo de doença. Eu ia para a cadeira de rodas. Com ele foi que eu sarei da dor na sola dos pés. Parece que pisava em cima de pregos”, contou a dona de casa Aliete Viana.


O padre recebeu o Fantástico em uma casa na periferia de Cuiabá, a sede nacional do Bio Saúde, que ele diz ser um método que faz o corpo curar a si próprio. “O cérebro humano tem essa capacidade e produz, no corpo inteiro, no sangue, no corpo e nas células mais de mil ingredientes que necessita para ter saúde”, explica o padre Renato Barth.


Para o Padre Renato, chegará o dia em que o mundo não precisará de médicos. “Eles também terão que procurar outro emprego, quando não houver mais doentes. O doente é que mantém farmácia, mantém farmacêuticos, mantém os médicos, mantém hospitais e mantém universidades de medicina no Brasil”, acredita o padre Renato Barth.


O padre nega todas as acusações.


Repórter: O senhor propõe que a pessoa deixe de tomar a medicação alopática?
Padre Renato Barth: Não, eu não proponho. Porque isso é do doente com o seu médico ou na farmácia, né?
Repórter: E por que o senhor acha que o conselho denunciou o senhor?
Padre Renato Barth: Já falei.
Repórter: Dor de cotovelo?
Padre Renato Barth: É. Dá dor de cotovelo ver que há cura, sim, para tantas doenças.
Repórter: Dor de cotovelo de quem? Dos médicos?
Padre Renato Barth: Em geral da indústria farmacêutica.

O Bio Saúde se sustenta na ideia de que todas as doenças têm cura.

Repórter: O que significa dizer que não existem doenças incuráveis?
Padre Renato Barth: É porque o ser humano é capaz de se curar.
Repórter: Se aparecer uma pessoa com vírus HIV ela pode se curar?
Padre Renato Barth: Ela, em si, poderia.
Repórter: O senhor pode nos mostrar os seus métodos, como é que funciona o atendimento?
Padre Renato Barth: Eu acho que não. Não convém.
Repórter: Por que, padre?
Padre Renato Barth: Está na internet, você pode ler.
Repórter: O senhor não acha importante explicar o método?
Padre Renato Barth: Não acho. Nem precisa saber.
Repórter: Mas as pessoas estão fazendo uma coisa que não sabem o que é...
Padre Renato Barth: Por que a pessoa vai no médico e vai no laboratório, e tal? Não entende nada de laboratório! Por que precisa saber do nosso método?
Repórter: Para saber o que está sendo aplicado a ela.
Padre Renato Barth: Não precisa.


No site do Bio Saúde encontramos os métodos de tratamento que prometem a cura. A argila ajudaria a eliminar câncer e infecções. Os usos do chá e da urina do paciente dependeriam de um exame, o bioteste. Com uma câmera escondida, filmamos um exame no Bio Saúde de Curitiba. “O curso eu fiz com o Padre Renato, que implantou no Brasil”, diz uma funcionária.


Ele é feito por duas pessoas que entrelaçam os dedos na frente do paciente. Uma delas segura uma vareta metálica que teria o poder de identificar a parte do corpo que está doente. Quando isso acontece, os dedos dos atendentes afrouxam. Em minutos, sai o diagnóstico da produtora do Fantástico que se deixou examinar: “Você já está com célula pré-cancerosa”, afirmou durante o exame.


“É simples, porque se forma um campo magnético no dedo e dele depende tudo”, alega o padre Renato Barth.


“Está comprovado que não funciona, cientificamente, independentemente da opinião. Já foi testado e não funciona: a vareta metálica, a argola, o magneto, tudo” Quem constesta é o doutor Riad Younes, um dos maiores especialistas em câncer do Brasil, médico do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo e professor da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (USP).


Pedimos ao doutor Riad que comentasse as afirmações do padre sobre o Bio Saúde, como uso da urina para tratar doentes. “A criança nasce sem tóxicos e sem micróbios, em parte porque ela toma até meio litro de sua própria urina por dia no ventre materno. Cada um dos que dizem que é ruim já tomou”, afirma o padre Renato Barth.


“A gente elimina pela urina e pelas fezes o que não é bom para nós, o que é desnecessário para o nosso corpo. Se eu tomar de novo, eu não consigo imaginar que jeito isso pode fazer bem”, contesta o médico Riad Younes, que também comentou sobre o diagnóstico de doenças. “O mal de Parkinson é causado pela malária.



Em grande parte, uns 90%, mesmo em regiões frias”, diz o padre Renato Barth. “Mas imagine! Por exemplo, tem países que não têm malária. Zero malária! E Parkinson em grande quantidade. Como é que se explica isso?”, indaga o médico Riad Younes.


Padre Renato Barth: O parasita do diabetes come carne.
Repórter: Parasita do diabetes? Qual é o parasita do diabetes?
Padre Renato Barth: É o mesocestóide.
Repórter: É o que causa diabetes?
Padre Renato Barth: É.


“A gente não tem essa correlação com esse parasita ou com qualquer parasita, porque se tivesse essa relação, o tratamento do diabetes seria muito fácil. Bastaria esterilizar esse parasita e encerrava o assunto”, afirma o médico Riad Younes.


O ex-reitor da PUC do Rio de Janeiro, padre Jesus Hortal, doutor em direito canônico, também é jesuíta e foi professor de padre Renato. Ele acha que o ex-aluno pode estar cometendo um grande erro. “Ele pode ter toda a boa intenção possível, mas me parece que há riscos muito graves para a saúde das pessoas”, acredita.


O Fantástico localizou três famílias com parentes tratados pelo padre em Cuiabá. Todos tiveram o mesmo fim. A mãe de um homem tinha câncer no útero. Deixou o hospital depois de procurar o Bio Saúde.


“Ela confessou isso para mim. Ela falou que o padre Renato disse: ‘A senhora, para ser curada, para se livrar desse câncer de uma vez por todas, tem que fazer uma opção: ou aqui conosco ou na medicina. Na medicina a senhora não vai ter a cura. Então, é só conosco’. Então, ela optou, infelizmente. Ela fez a opção de escolher só por esse padre Renato”, conta o homem.


Quando a mãe morreu, ele foi ao Bio Saúde cobrar explicações do padre, mas nunca o encontrou lá. “É esse padre que se diz tão caridoso e tão bondoso, que some na hora que mais se precisa dele?”, questiona o homem.


O filho de dois anos de um casal de camponeses tinha câncer nos rins. O tratamento já estava combinado com a médica, mas antes eles foram ao Bio Saúde.


Casal: Lá ele [padre Renato] falou assim: ‘Eu garanto que curo o seu filho, só que você tem que ficar só com o meu tratamento’.
Repórter: Mas e a doutora?
Casal: Ele falou: ‘Não, você larga para lá e pronto! Ele falou que não precisa ir lá mais’. Ele falou: ‘É só você parar. Você não vai mais lá’.
Repórter: E vocês não avisaram aos médicos, então? E não foram mais ao hospital?
Casal: ‘Não, porque ele falou que ele tratava nosso filho em 60 dias. Ele falou que em 60 dias ele estava curado’.


O garoto parecia mesmo estar melhorando. “A gente ainda foi na doutora. A gente foi e a doutora falou: ‘Não, ele não está curado’. Ele falou: ‘Não, ele está curado, está curado! Pode ir embora tranquilo, não dá ouvido para a doutora’”, lembra a mãe.


Tudo o que eles gostariam agora era poder voltar atrás. “Eu faria tudo muito diferente, jamais eu teria tirado meu filho do hospital. Nunca, nunca. Nunca que eu ia tirar meu filho do hospital. Eu me sinto um lixo, eu me sinto péssima, eu não me sinto mãe. Eu me sinto o ser pior da face da Terra, porque eu fui na onda”, lamenta.


O garoto tinha 3 anos quando morreu, em junho de 1999, depois de uma desesperada tentativa dos médicos de recuperar o tempo perdido e conter o avanço da doença. Um esforço que se mostrou inútil, como comprovam os registros do hospital. Com a condição de não revelar o nome do menino, a família nos autorizou a ver o prontuário dele.


As anotações comprovam as etapas do arrependimento. A mãe relata os conselhos do padre, o abandono do tratamento e a morte do filho. Procuramos o padre novamente para ele falar sobre as acusações.


Atendente: Você não está gravando não, tá?
Repórter: A gente está gravando, mas nós estamos registrando nossa visita.
Padre Renato Barth: Vamos na casa da irmã, aqui no Bio não tem nada agora, não.

O padre passou direto e na o quis nos receber. O advogado dele o defendeu. “Em nenhum momento, para pessoa nenhuma, o padre ou qualquer pessoa que trata do Bio Saúde recomendou o abandono do tratamento convencional”, afirma o advogado Vilson Nery.


Não é o que diz a técnica em química Cristiane Fernandes. “Porque eles falavam assim: ‘Não pode fazer esse tratamento alternativo tomando remédio, fazendo quimioterapia, não. Senão não funciona o alternativo. Você não pode tomar nada químico, nenhuma medicação, nada”, disse.


“Mas eles sabiam que sua mãe tinha um tumor?”, perguntou o repórter. “Tinha. Levou documentação, exame, diagnóstico, tudo”, respondeu a técnica.


A mãe de Cristiane foi tratado em um núcleo do Bio Saúde em São Paulo, com aplicação de argila sobre um tumor de mama. “Tem que colocar folha disso, folha de couve para puxar, queijo tofu. A promessa que aquilo vai reconstituir. Você está vendo, você está morrendo. Parece que você não tem mais argumento com a pessoa. É como se fosse uma lavagem cerebral. Sabe aquelas pessoas que acreditam numa coisa, assim, que você não consegue explicar?”, contou Cristiane.


Quando mais a mãe piorava, mais difícil era falar com o pessoal do Bio Saúde. “Ela procurava para consulta e não conseguia. Ligava e não conseguia falar. Quando ela conseguiu falar a mulher falou para ela: ‘Olha, a gente achou que ia dar certo, mas não deu’. Aí foi a hora que ela desabou”, lembra.


A mãe morreu no primeiro dia de 2002. Foram quase dez anos de silêncio, mas falar sobre isso agora é, para Cristiane, como uma página que ainda faltava. “É uma missão cumprida. Sabe quando você se sente bem em falar: ‘Mãe, eu fiz por você’. Eu acho que é isso”, comenta.

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http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1662113-15605,00.html

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